quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Hannibal ou Menino se preferir.


             


       Quase bati o carro, ele caminhava com seus olhos tristes, sujo e um tanto quanto em pânico, pelo jardim no centro da avenida.
Carros acelerados em uma cidade que dirigir é como uma competição, quem dirige mais rápido, quem manobra mais rápido, quem ofende toda a geração do outro motorista, motorista não é motorista, é inimigo e de morte.
            -- Vai ser atropelado – gritei, sozinho em meu carro, parei, acendi o alerta, corri até o meio do jardim, ele tinha médio porte, poderia me morder, arrisquei chama-lo, ele abaixou humildemente a cabeça e veio em minha direção.
            -- E se ele me morder? – Sua boca era grande, uma mordida machucaria um pouco, há momentos que penso assim, não são para muita reflexão, tem que ser no impulso, na coragem, se a gente pensa muito...não faz, passei a mão em sua cabeça, conversei um pouco, sentei no chão ao seu lado, tudo muito rápido, tinha que encontrar meus filhos, de súbito ele já estava em meu colo com o olhar um tanto quanto preocupado.
            Comeu a vasilha inteiro de ração, anunciei-o na rede social, talvez poderia ser de uns grandes condomínios próximos a minha casa.
            -- Pai vou passear com ele no condomínio.
            -- Vai sim, acho que ele vai gostar.
            -- Pai, me perguntaram se é de raça, se é filhote de labrador, acharam ele bonito.
            -- Puxa, é mesmo, não havia pensado nisso, ele parece um labrador não é?
            -- Olha diga que ele é um setter escocês.
            -- Existe essa raça?
            -- Não, não existe não, mas soa bonito não é? – Rimos um pouco olhando nosso “setter escocês”.
            Ele começou a se soltar, sempre com seu olhar triste e humilde, estava com dificuldades para limpar seu cocô, recolher aquela coisa enorme, causava engulhos, mas para ele não fazer no quintal de casa, passei a leva-lo para passear pelas manhãs e a noite.
            -- Vamos dar um nome para ele pai?
            -- Eu não acho boa ideia, a gente se apega e depois fica difícil deixar ele ir embora, não se esqueça que o lar aqui em casa é passageiro para ele.
            -- Pai vou chamá-lo de Hannibal.
            -- Bom, é o oposto da personalidade dele, mas se você gosta... — rimos mais um pouco, dia seguinte, mais anúncios na internet e fui passear com ele um pouco pelas ruas do bairro, pois eu achava que o Hannibal tinha saído para dar uma volta de sua antiga casa e tinha perdido-se pelo caminho. Caminhada sem sucesso, diga-se de passagem.
            Passamos a ter uma rotininha com o Hannibal, ração pela manhã, coleiras novas, cama nova, banho caprichado, consulta no veterinário, vermífugo, vacina, enfim, pacote completo.
            Andar pelo condomínio em Rio Preto é meio complicado, o condomínio é em descida, então para caminhar-se para a portaria, tem-se que encarar a pequena ladeira, com o Hannibal não havia problema, pois o pequeno, digo médio, tem força, e subíamos sempre com ele me puxando.
            -- Cocô ai não Hannibal, esse vizinho é um mala – O arrastei para outro lado, saquinho de lixo estrategicamente no bolso, levei-o para a área comum do condomínio, e em segundos tínhamos uma outra obra histórica e monumental do Hannibal, meus engulhos de sempre, mãos agora carregadas, para levar sua obra para o lixo de casa.
Outro dia, outra volta – mais devagar Hannibal – ele me puxando e abanando o rabo – íamos subindo novamente o condomínio e eu controlando sua marcha acelerada .          
            -- Senhor?
            -- Diga Moisés – Moisés é um dos vigias mais antigos do condomínio, daqueles moços esforçados, trabalhadores e até que amigo, fico surpreso com a quantidade de amigos que fiz com o povo mais humilde da cidade, acho que são pessoas sem melindres, lutadores, humildes, a conversa vai fácil e começa então a amizade.
            -- O senhor assina o Diário não assina?
            -- Sim Moisés, assino sim.
            -- Eu queria ver uma reportagem da última quarta, será que o senhor tem?
            -- Ah Moisés, jornal em casa você sabe, da leitura para o chão, para a cachorrada, mas vou ver, separo para você.
Moisés, você sabe alguém que queira um lindo cãozinho, médio porte, excelente companheiro?
            -- Onde está o cãozinho?
            -- É esse aqui Moisés, ele é muito bonzinho, meu quintal é pequeno, não tem muito espaço para ele, recolhi ele da rua, para ajudar o bichinho.
            -- Ah senhor, quero ele, moro em uma chácara, tem um terreno enorme, eu estava procurando um bichinho – Abri um sorriso, afinal achei um lugar e me parecia um lugar bom para o Hannibal.
            -- Puxa, você pode leva-lo então, tenho coleira, caminha, ração...—Fiquei feliz, afinal consegui realmente achar um lar para o Hannibal  e um lugar em que ele estaria feliz.
            -- Posso leva-lo hoje? No final do meu turno passo de carro para pega-lo, só que saio as seis da manha....
            -- Não tem problema, interfone e eu te aguardo.
            -- Não falei que ele era bonito Cássio ? – Seis e meia da manhã, eu meio sonado, sai catando ração, cobertorzinho do Hannibal, cama... -- Cássio era o outro segurança do condomínio.
            -- Abaixou o banco de trás Moisés? Deixa que coloco ele --ele olhou para mim com aquele seu olhar inocente e amoroso e dessa vez confiando totalmente em mim.
            -- Posso dar um ultimo abraço nele? – Lógico que o senhor pode. Abracei ele  e ele abriu a bocona, jogou a língua para fora como se fosse um imenso sorriso, não contive as lágrimas, comecei a chorar – Vai com Deus, Menino.
            O carro partiu, ele olhando pelo vidro traseiro, com aquele olhar de carinho e de extrema confiança em mim, ele parecia dizer o seguinte “ Não sei para onde estou indo, mas confio totalmente em você”. O dia ficou triste, mas por outro lado eu me animava, afinal “Menino” (como eu particularmente o chamava) iria para uma casa boa, com espaço e  com pessoas de bom coração.
            -- Como esta o “Menino”? – Perguntei ao Moisés, duas semanas depois.
            -- Feliz, que só vendo, corre para lá e para cá com meu outro cãozinho.
            -- Ah! Tem outro cãozinho, que coisa boa, companhia para ele, posso visita-lo qualquer dia desses?
            -- A porta esta sempre aberta, é só o senhor me avisar. – Tenho as fotos do Hannibal ou Menino em meu celular, acho que nunca  vou  apagar.

           

           
            

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