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Pai, fiz teste vocacional, uma droga, deu todo tipo de engenharia: elétrica,
eletrônica, produção, o que é engenharia de produção hem pai? Deu tudo menos o
que gosto, pensei que a resposta fosse filosofia, sociologia, psicologia...— Ambos rimos,
lembrei de minha época de estudante, quando morri de inveja dos amigos que
haviam feito teste vocacional e eu não, ou seja, eles estavam levando vantagem
sobre mim e isso poderia ser pior, eu poderia vir a estudar o que não tinha
nenhuma relação com minha vocação e meus sonhos.
-- Filho, teste vocacional aponta
para um caminho, mas isso não quer dizer que tem que ser exatamente o que foi
apontado no resultado. – Senti que ele ficou mais tranquilo, na verdade, eu
entendia essa ansiedade essa necessidade de definir o seu papel no mundo, o que
você iria fazer seria simplesmente o que te faria feliz...
A mãe... – filosofia, sociologia? Você é louco?
Quer passar fome? Virar bicho-grilo?
-- Olha só -- tentando mostrar um
outro lado da situação – Não adianta você ganhar rios de dinheiro e ser infeliz,
fazer o que não gosta, por obrigação, as vezes um balconista de uma loja é
muito mais feliz que um engenheiro que estudou anos e anos por exemplo. – As
comparações percebi na hora que não foram muito boas, mas eu não achava uma
forma prática de falar que cada um tem que perseguir o seu sonho, mas como
falar a alguém que ele tem que perseguir o seu sonho, quando nem ele sabe quais
são os seus sonhos?
-- O importante é ser feliz filho e
dar-se a oportunidade de sempre retomar, veja o meu caso estudei engenharia e
vi depois que não gostava, mudei totalmente de rumo. Fique tranquilo o
importante é você ir conhecendo e sempre quando verificar que não era aquele
caminho, mude de caminho, você tem a felicidade de ter apenas quinze anos,
retomadas e mais retomadas você vai fazer a vida inteira.
Ele ficou assim meio ressabiado,
talvez um tanto quanto preocupado, mas ele teria que ter paciência e acho que isso é a maior qualidade de meus
filhos: paciência, uma paciência que chega a ser irritante, mas as respostas
vão vindo a medida que vamos procurando, isso tenho certeza.
Meu outro filho, acho que uma semana
depois: -- Pai, fiz teste vocacional – Comecei a rir sozinho, eu esperava estar
mais preparado dessa vez.
-- Pai, deu um monte de coisas,
fiquei até perdido, tem teatro no meio, letras, educação física...—Comecei a
rir e brinquei com ele –Bom filho, se deu um monte de coisas é sinal que você
pode fazer qualquer coisa, fazer o que você quiser. – Rimos um pouco e voltamos
a nossa rotina.
Estava lembrando recentemente,
conversando com os dois, quando eles
tinham cerca de seis ou sete anos de idade, íamos ao clube e eu ia jogar bola
com os dois no areião junto com toda a molecada, todos me achavam o máximo, um
craque, mas era simplesmente porque eu tinha um domínio de bola um pouco melhor
que a molecada de sete anos de idade e isso não merece ir para nenhum livro dos
recordes e nem ser lembrado, continuamos conversando e lembrei o quanto éramos
companheiros, como fazíamos tudo juntos, mas comecei a sentir a separação
quando comecei a não ser mais convidado para os “rachas de basquete”, isso
coincidiu com a falência de meu joelho direito que atualmente aceita correr,
aceita caminhar, nadar, mas jogar basquete...
Abriu-se uma pequena distancia entre
nós, continuam a me amar obviamente como eu os amo, mas já não sou mais “o
cara”, sou agora o pai, o cara legal, mas humano, isso é bom pois nunca tive
vocação para super-herói, por outro lado, é ruim, pois já existe uma pequena
distancia entre nós.
Mas pensando com meus botões (Ah!
esses meus botões...) vejo que é uma lei inexorável da vida, só não quero
terminar um dia imerso em solidão como muitos e muitos que estão por aí
suplicando um pouco de atenção.
“Sozinho
sim, solitário nunca”, é o meu lema atual.
Só fico com esse pequeno cuidado de
nunca deixar uma vala maior abrir-se entre eu meus filhos.
-- Pai, “O mundo de Sofia” estava
legal, mas esta tão chato agora.
-- Eu insistiria, mais um pouco, mas
se está insuportável, pula para outro. Não perde tempo – Olha um livro bacana,
acho que você vai gostar “Operação Cavalo de Tróia”.
-- Fala exatamente doque?
-- Ah filho, vou resumir, esta bem?
Fala de uma operação secreta americana, uma viagem no tempo na época de Jesus –
Pensei comigo – Acho que contei demais...
-- Acho que vou pular para o
“Estorvo” do Chico Buarque pai, você já leu?
-- Filho, eu li mas não lembro, mas
sendo Chico Buarque, vale a leitura.
-- É verdade.
Tenho que marcar dentista para eles,
comprar as pomadas de espinhas, comprar ingresso para o jogo, leva-los ao show
de blues....vida de pai. As vezes fico esgotado mas ganho muito em amor e em
respeito e que a vala da distancia não aumente muito além disso é um dos itens das
minhas orações.
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