sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Diário de Viagem: Teste Vocacional






            -- Pai, fiz teste vocacional, uma droga, deu todo tipo de engenharia: elétrica, eletrônica, produção, o que é engenharia de produção hem pai? Deu tudo menos o que gosto, pensei que a resposta fosse filosofia, sociologia, psicologia...— Ambos rimos, lembrei de minha época de estudante, quando morri de inveja dos amigos que haviam feito teste vocacional e eu não, ou seja, eles estavam levando vantagem sobre mim e isso poderia ser pior, eu poderia vir a estudar o que não tinha nenhuma relação com minha vocação e meus sonhos.
            -- Filho, teste vocacional aponta para um caminho, mas isso não quer dizer que tem que ser exatamente o que foi apontado no resultado. – Senti que ele ficou mais tranquilo, na verdade, eu entendia essa ansiedade essa necessidade de definir o seu papel no mundo, o que você iria fazer seria simplesmente o que te faria feliz...
             A mãe... – filosofia, sociologia?  Você é louco? Quer passar fome? Virar bicho-grilo?
            -- Olha só -- tentando mostrar um outro lado da situação – Não adianta você ganhar rios de dinheiro e ser infeliz, fazer o que não gosta, por obrigação, as vezes um balconista de uma loja é muito mais feliz que um engenheiro que estudou anos e anos por exemplo. – As comparações percebi na hora que não foram muito boas, mas eu não achava uma forma prática de falar que cada um tem que perseguir o seu sonho, mas como falar a alguém que ele tem que perseguir o seu sonho, quando nem ele sabe quais são os seus sonhos?
            -- O importante é ser feliz filho e dar-se a oportunidade de sempre retomar, veja o meu caso estudei engenharia e vi depois que não gostava, mudei totalmente de rumo. Fique tranquilo o importante é você ir conhecendo e sempre quando verificar que não era aquele caminho, mude de caminho, você tem a felicidade de ter apenas quinze anos, retomadas e mais retomadas você vai fazer a vida inteira.
            Ele ficou assim meio ressabiado, talvez um tanto quanto preocupado, mas ele teria que ter paciência e  acho que isso é a maior qualidade de meus filhos: paciência, uma paciência que chega a ser irritante, mas as respostas vão vindo a medida que vamos procurando, isso tenho certeza.
            Meu outro filho, acho que uma semana depois: -- Pai, fiz teste vocacional – Comecei a rir sozinho, eu esperava estar mais preparado dessa vez.
            -- Pai, deu um monte de coisas, fiquei até perdido, tem teatro no meio, letras, educação física...—Comecei a rir e brinquei com ele –Bom filho, se deu um monte de coisas é sinal que você pode fazer qualquer coisa, fazer o que você quiser. – Rimos um pouco e voltamos a nossa rotina.
            Estava lembrando recentemente, conversando  com os dois, quando eles tinham cerca de seis ou sete anos de idade, íamos ao clube e eu ia jogar bola com os dois no areião junto com toda a molecada, todos me achavam o máximo, um craque, mas era simplesmente porque eu tinha um domínio de bola um pouco melhor que a molecada de sete anos de idade e isso não merece ir para nenhum livro dos recordes e nem ser lembrado, continuamos conversando e lembrei o quanto éramos companheiros, como fazíamos tudo juntos, mas comecei a sentir a separação quando comecei a não ser mais convidado para os “rachas de basquete”, isso coincidiu com a falência de meu joelho direito que atualmente aceita correr, aceita caminhar, nadar, mas jogar basquete...
            Abriu-se uma pequena distancia entre nós, continuam a me amar obviamente como eu os amo, mas já não sou mais “o cara”, sou agora o pai, o cara legal, mas humano, isso é bom pois nunca tive vocação para super-herói, por outro lado, é ruim, pois já existe uma pequena distancia entre nós.
            Mas pensando com meus botões (Ah! esses meus botões...) vejo que é uma lei inexorável da vida, só não quero terminar um dia imerso em solidão como muitos e muitos que estão por aí suplicando um pouco de atenção.
“Sozinho sim, solitário nunca”, é o meu lema atual.
            Só fico com esse pequeno cuidado de nunca deixar uma vala maior abrir-se entre eu meus filhos.
            -- Pai, “O mundo de Sofia” estava legal, mas esta tão chato agora.
            -- Eu insistiria, mais um pouco, mas se está insuportável, pula para outro. Não perde tempo – Olha um livro bacana, acho que você vai gostar “Operação Cavalo de Tróia”.
            -- Fala exatamente doque?
            -- Ah filho, vou resumir, esta bem? Fala de uma operação secreta americana, uma viagem no tempo na época de Jesus – Pensei comigo – Acho que contei demais...
            -- Acho que vou pular para o “Estorvo” do Chico Buarque pai, você já leu?
            -- Filho, eu li mas não lembro, mas sendo Chico Buarque, vale a leitura.
            -- É verdade.
            Tenho que marcar dentista para eles, comprar as pomadas de espinhas, comprar ingresso para o jogo, leva-los ao show de blues....vida de pai. As vezes fico esgotado mas ganho muito em amor e em respeito e que a vala da distancia não aumente muito além disso é um dos itens das minhas orações.

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