-- Insuportável, essa e’ a palavra
certa. Além de conviver com suas
constantes reclamações e sua noção de justiça totalmente confusa ainda tenho de
conviver com isso? – Rita com a idade, ou melhor, com a maturidade deixou de
ser a moça alegre e extrovertida, centro das atenções onde quer que estivesse,
a estrela, a sorridente, a que atraía todos os olhares masculinos e femininos
era agora taciturna, mal-resolvida,
sem nenhum humor e de poucas palavras, as rugas estavam ali sulcando seu rosto, a pele caida...Seu dia
resumia-se a sua pequena rotina: acordar, alimentar os animais, passear com os
cães, ver o noticiário da manha, limpar a casa e preparar o almoço, pois logo Mirella
estaria em casa par almoçar e voltar correndo para o trabalho.
Era isso, sem mudar-se uma vírgula, tudo o que ela não queria, tudo o
que não havia sonhado, ela odiava Mirella por isso, Mirella era a visão de seu
fracasso em todos os sentidos, no amor questionado por amigos e cheio de
conflitos ao longo desses quinze anos, do sexo rotineiro e raro feto
mecanicamente, como para cumprir uma tabela de campeonato, das
palavras curtas justamente para evitar conflitos, de seu fracasso profissional,
nunca chegou a lugar algum, estudou o que não gostava, fazia o que não gostava,
era o que não gostava.
No lustre da entrada,
um grande lustre cheio de braços parecendo uma imensa aranha pendurada no teto
, com umas vinte pequenas lâmpadas, um velho lustre com vinte pequenas lâmpadas
sujas, amareladas e opacas, estava a grande teia de aranha envolvendo
praticamente todos os braços... – Não vou limpar de jeito nenhum, ela está
vendo, passa por aqui todos os dias, pensando o que? Não me ajuda em nada e
quando limpa a casa não é capaz de limpar esse lustre. Uma displicente, largada...
O barulho dos saltos
era de passos rápidos, os cães começaram a latir e uivar, vendo a presença de Mirella
que acabara de descer do carro, uma mulher atraente para muitos em seus cerca
de quarenta anos, uma mulher que era a visão do fracasso e de toda a
representação do “ruim” para Rita – Rita! Passei no mecânico, o conserto vai
ficar uma fortuna, aprendi tudo sobre “junta do cabeçote” querida – começou a
rir a sua gargalhada longa e espalhafatosa – e quando somos nos mulheres
querida, eles inventam problemas até no paraíso não é? – Entrou a passos
rápidos, passou pelo lustre repleto de teias de aranha, Rita fuzilou-a com o
olhar ao perceber sua indiferença ao passar pelo lustre.
-- O que tem para
comer Rita? Querida, hoje o consultório esta repleto, o que acontece com todo
mundo hem? Esse mundo esta louco querida, todos brigam por tudo. Hum, feijão
fresco, maravilhoso. – Rita deu um pequeno sorriso, colocou as panelas
rapidamente na mesa, colocou o suco, talheres, guardanapos, o molho de pimenta
que Mirella gostava.
-- Você viu onde
deixou aquele meu esmalte novo, vou passar na manicure a tarde querida, ela não
tem esse esmalte.
-- Não vi não Mirella,
você lava a louça do almoço? – Rita estava entediada, não aguentava mais o
mesmo trabalho domestico, todos os dias, não aguentava mais sua rotinazinha e
principalmente a louça após o almoço.
-- Querida, você esta
brincando, mal vai dar tempo de engolir
a comida e voltar correndo para o consultório. – A mesma história de
sempre, a mesma desculpa de sempre, Rita transformara-se em uma domestica de
luxo, sem direito a respeito, a amor e a teia de aranha... a teia de aranha
iria permanecer ali pois ela não limparia aquele lustre de forma alguma, Mirella
precisa acordar, Mirella precisa entender que
o mundo não girava ao seu redor, que ela tinha que ajudar em casa, que
as coisas não tinham que acontecer somente quando ela queria, ela precisava
começar a ajudar e começar a reclamar menos.
Os dias iam passando,
era verão e as chuvas eram sucessivas, Rita odiava cada vez mais e mais o lustre
pendurado ali na entrada de sua casa, odiava passar embaio dele, a impressão
era que um aranha iria pular em sua cabeça a qualquer momento, seu corpo coçava
todo sempre que o via e era uma coceira insaciável, de cravar as unhas e não
parar mais.
As vezes acordava com
a decisão de limpa-lo, de tirar toda imensa teia de aranha dali e poli-lo com
algum produto especial, deixando-o cintilante, as vezes jurava que jamais iria
limpa-lo, quem comprou o lustre e o instalou ali foi Mirella e Mirella tinha
que parar de enxergar somente o que interessava e também fazer só o que
interessava.
Dias e mais dias e a
teia de aranha aumentando – Meu Deus, é insuportável, é um absurdo, ela passar
dez, vinte vezes por dia embaixo desse lustre
e não ver a nuvem que se tornou esse emaranhando de teias, um absurdo –
uma aranha de mais ou menos um centímetro e meio, com suas longas e compridas
pernas caminhava lentamente pela imensa teia, como um bom engenheiro chocando
todos os detalhes de sua obra, Rita desesperou-se mais ainda por ver que a
aranha havia crescido, o pequeno ovo de algumas semanas atrás já era uma
pequena aranha, ela estava em seu limite, Mirella que não se envolvia com nada,
que só se preocupava com seu próprio umbigo, esse dia iria ouvir e ouvir muito.
O barulho do carro
chegando novamente, era novamente horário do almoço, os cachorros começaram
novamente a latir e uivar, a rotina da manha havia se ido, os cachorros haviam
passeado, todos os animais alimentados, louca lavada, casa completamente limpa
– Almoço da madame agora – pensou rindo para si mesma.
-- Oi querida, o que
temos hoje para o almoço? Lasanha?
Hum... – jogou a bolsa no sofá e já instalou-se na mesa esperando ser servida,
tamborilando os dedos e examinando as unhas.
-- Mirella, quando você vai limpar aquele seu
lustre imenso na entrada de casa? Reparou que esta repleto de teias de aranha?
– Falou com a sua voz mais enérgica.
-- Querida, venha cá –
levantou-se calmamente da mesa e estendeu sua mão para Rita, Rita olhou sem
entender, de mãos dadas as duas caminharam para a entrada da casa – olha para a
teia, esta vendo a aranha? Era só um ovinho Rita e agora e’ essa moca negra e
bonita.
-- Você esta louca Mirella?
Você esta querendo me matar? Criando uma
aranha agora? Já não basta todo o trabalho que tenho e que você me da?
-- Querida, no stress,
vamos a noite ao cinema? Jantar fora? Visitar seus pais? Deixa a aranhazinha ai
Rita, deixa a menina constituir família, vou indo esta bem? A noite conversamos.
Rita juntou toda a
louca, um copo caiu e espatifou-se no chão, soltou alguns impropérios, passou
em frente a um dos banheiros, a porta estava aberta, olhou demoradamente sua
imagem refletida no espelho, tocou as olheiras – que enormes – olhou seus
cabelos secos e sem brilho, as roupas desgrenhadas.
Uma aranha charmosa
caminhava pelo lustre lentamente, com suas pernas longas e de lá sondava o
ambiente, pois era hora de buscar alimento, quem sabe uma mosca ou algum outro
insetozinho qualquer.
Rita olhou para a
aranha, talvez a aranha estivesse muito bem, não era possível afirmar, mas Rita
sabia que ela mesma não estava bem e quem tinha que entender e talvez mudar um
pouco seria ela mesma.
Uma aranha envolvia
uma pequena mosca em sua teia e voltava a caminhar lentamente...
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