sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Teia de aranha




-- Insuportável, essa e’ a palavra certa.  Além de conviver com suas constantes reclamações e sua noção de justiça totalmente confusa ainda tenho de conviver com isso? – Rita com a idade, ou melhor, com a maturidade deixou de ser a moça alegre e extrovertida, centro das atenções onde quer que estivesse, a estrela, a sorridente, a que atraía todos os olhares masculinos e femininos era agora taciturna, mal-resolvida,  sem  nenhum  humor e de poucas palavras, as rugas estavam ali sulcando seu rosto, a pele caida...Seu dia resumia-se a sua pequena rotina: acordar, alimentar os animais, passear com os cães, ver o noticiário da manha, limpar a casa e preparar o almoço, pois logo Mirella estaria em casa par almoçar e voltar correndo para o trabalho.
Era isso, sem mudar-se uma vírgula, tudo o que ela não queria, tudo o que não havia sonhado, ela odiava Mirella por isso, Mirella era a visão de seu fracasso em todos os sentidos, no amor questionado por amigos e cheio de conflitos ao longo desses quinze anos, do sexo rotineiro e raro feto mecanicamente,  como  para cumprir uma tabela de campeonato, das palavras curtas justamente para evitar conflitos, de seu fracasso profissional, nunca chegou a lugar algum, estudou o que não gostava, fazia o que não gostava, era o que não gostava.
            No lustre da entrada, um grande lustre cheio de braços  parecendo uma imensa aranha pendurada no teto , com umas vinte pequenas lâmpadas, um velho lustre com vinte pequenas lâmpadas sujas, amareladas e opacas, estava a grande teia de aranha envolvendo praticamente todos os braços... – Não vou limpar de jeito nenhum, ela está vendo, passa por aqui todos os dias, pensando o que? Não me ajuda em nada e quando limpa a casa não é capaz de limpar esse lustre. Uma displicente, largada...
            O barulho dos saltos era de passos rápidos, os cães começaram a latir e uivar, vendo a presença de Mirella que acabara de descer do carro, uma mulher atraente para muitos em seus cerca de quarenta anos, uma mulher que era a visão do fracasso e de toda a representação do “ruim” para Rita – Rita! Passei no mecânico, o conserto vai ficar uma fortuna, aprendi tudo sobre “junta do cabeçote” querida – começou a rir a sua gargalhada longa e espalhafatosa – e quando somos nos mulheres querida, eles inventam problemas até no paraíso não é? – Entrou a passos rápidos, passou pelo lustre repleto de teias de aranha, Rita fuzilou-a com o olhar ao perceber sua indiferença ao passar pelo lustre.
            -- O que tem para comer Rita? Querida, hoje o consultório esta repleto, o que acontece com todo mundo hem? Esse mundo esta louco querida, todos brigam por tudo. Hum, feijão fresco, maravilhoso. – Rita deu um pequeno sorriso, colocou as panelas rapidamente na mesa, colocou o suco, talheres, guardanapos, o molho de pimenta que Mirella gostava.
            -- Você viu onde deixou aquele meu esmalte novo, vou passar na manicure a tarde querida, ela não tem esse esmalte.
            -- Não vi não Mirella, você lava a louça do almoço? – Rita estava entediada, não aguentava mais o mesmo trabalho domestico, todos os dias, não aguentava mais sua rotinazinha e principalmente a louça após o almoço.
            -- Querida, você esta brincando, mal vai dar tempo de engolir  a comida e voltar correndo para o consultório. – A mesma história de sempre, a mesma desculpa de sempre, Rita transformara-se em uma domestica de luxo, sem direito a respeito, a amor e a teia de aranha... a teia de aranha iria permanecer ali pois ela não limparia aquele lustre de forma alguma, Mirella precisa acordar, Mirella precisa entender que  o mundo não girava ao seu redor, que ela tinha que ajudar em casa, que as coisas não tinham que acontecer somente quando ela queria, ela precisava começar a ajudar e começar a reclamar menos.
            Os dias iam passando, era verão e as chuvas eram sucessivas,  Rita odiava cada vez mais e mais o lustre pendurado ali na entrada de sua casa, odiava passar embaio dele, a impressão era que um aranha iria pular em sua cabeça a qualquer momento, seu corpo coçava todo sempre que o via e era uma coceira insaciável, de cravar as unhas e não parar mais.
            As vezes acordava com a decisão de limpa-lo, de tirar toda imensa teia de aranha dali e poli-lo com algum produto especial, deixando-o cintilante, as vezes jurava que jamais iria limpa-lo, quem comprou o lustre e o instalou ali foi Mirella e Mirella tinha que parar de enxergar somente o que interessava e também fazer só o que interessava.
            Dias e mais dias e a teia de aranha aumentando – Meu Deus, é insuportável, é um absurdo, ela passar dez, vinte vezes por dia embaixo desse lustre  e não ver a nuvem que se tornou esse emaranhando de teias, um absurdo – uma aranha de mais ou menos um centímetro e meio, com suas longas e compridas pernas caminhava lentamente pela imensa teia, como um bom engenheiro chocando todos os detalhes de sua obra, Rita desesperou-se mais ainda por ver que a aranha havia crescido, o pequeno ovo de algumas semanas atrás já era uma pequena aranha, ela estava em seu limite, Mirella que não se envolvia com nada, que só se preocupava com seu próprio umbigo, esse dia iria ouvir e ouvir muito.
            O barulho do carro chegando novamente, era novamente horário do almoço, os cachorros começaram novamente a latir e uivar, a rotina da manha havia se ido, os cachorros haviam passeado, todos os animais alimentados, louca lavada, casa completamente limpa – Almoço da madame agora – pensou rindo para si mesma.
            -- Oi querida, o que temos hoje para o almoço?  Lasanha? Hum... – jogou a bolsa no sofá e já instalou-se na mesa esperando ser servida, tamborilando os dedos e examinando as unhas.
            --  Mirella, quando você vai limpar aquele seu lustre imenso na entrada de casa? Reparou que esta repleto de teias de aranha? – Falou com a sua voz mais  enérgica.
            -- Querida, venha cá – levantou-se calmamente da mesa e estendeu sua mão para Rita, Rita olhou sem entender, de mãos dadas as duas caminharam para a entrada da casa – olha para a teia, esta vendo a aranha? Era só um ovinho Rita e agora e’ essa moca negra e bonita.
            -- Você esta louca Mirella? Você esta querendo me matar?  Criando uma aranha agora? Já não basta todo o trabalho que tenho e que você me da?
            -- Querida, no stress, vamos a noite ao cinema? Jantar fora? Visitar seus pais? Deixa a aranhazinha ai Rita, deixa a menina constituir família, vou indo esta bem?  A noite conversamos.
            Rita juntou toda a louca, um copo caiu e espatifou-se no chão, soltou alguns impropérios, passou em frente a um dos banheiros, a porta estava aberta, olhou demoradamente sua imagem refletida no espelho, tocou as olheiras – que enormes – olhou seus cabelos secos e sem brilho, as roupas desgrenhadas.
            Uma aranha charmosa caminhava pelo lustre lentamente, com suas pernas longas e de lá sondava o ambiente, pois era hora de buscar alimento, quem sabe uma mosca ou algum outro insetozinho qualquer.
            Rita olhou para a aranha, talvez a aranha estivesse muito bem, não era possível afirmar, mas Rita sabia que ela mesma não estava bem e quem tinha que entender e talvez mudar um pouco seria ela mesma.
            Uma aranha envolvia uma pequena mosca em sua teia e voltava a caminhar lentamente...



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