Crônicas do Metro – Parte 2 – A tribo dos leitores
Não me incomodo, até admiro a
atitude mas estou começando a ter problema com a tribo dos leitores, o duro é
que não há um líder oficial ou a liderança é pulverizada. O problema com a tribo
dos leitores é que eles ficam totalmente alheios ao que acontece ao redor e
também a empáfia em sua pose incomoda um pouquinho.
Adoro leitura e tentei de alguma
forma participar dessa tribo, peguei o livro “novo” do Dostoievsky que estava
na fila para futura leitura, depois de outros dois livros também de Dostoievsky
e um outro de Julian Barnes, joguei na mochila e disse para mim mesmo – Hoje
inicio minhas atividades na tribo dos leitores, no primeiro metro não saquei
meu livro, guardei suspense, ia simplesmente ouvindo as oldies do Alan Parsons
em um pequeno aquecimento com meu fone de ouvido para partir para o meu ataque. No segundo trem (Luz –
Pinheiros) saquei meu Dostoievsky e comecei a acompanhar a trajetória dos
personagens, no tom tragicômico do livro. Na estação Pinheiros, sai andando com
meus livros nas mãos, senti que carregar o livro nas mãos tirou um pouco o
ritmo das passadas e eu não queria declaradamente assumir que estava entrando
na tribo dos leitores.
Saquei dessa vez a mochila, naquela
técnica especial e que particularmente acho super charmosa que desenvolvi de
apenas esticar os braços para baixo e agarrar as alças da mochila já chegando
ao chão, fico meio exibicionista quando faço isso, porque acho essa minha
técnica de um nível apuradíssimo, jamais cometi uma falha na performance.
No último trem, desisti de ler meu
Dostoievsky, estava lotado, só cabia novamente um pé no chão, a perna direita
seguia encolhida prensada entre vários corpos que me rodeavam. Já havia
parabenizado a todos os passageiros mentalmente pelo zelo com odores, perfumes
e afins. Nada de excessivo, nenhum perfume barato ou mesmo os caros no ar,
ar-condicionado do trem ligado, todos socados, quando percebi do meu lado
esquerdo um senhor de uns quarenta anos, loiro, magro com o braço esticado ao
máximo para o alto, segurando em algum lugar. O cheiro de suor forte bateu
nesse momento, o jeito foi desviar o rosto, infelizmente não funcionou, então,
com toda a minha destreza, percebi uma rota de fuga e para lá dirigi
primeiramente o meu nariz, para salvá-lo da situação.
Percebi
então, também do meu lado esquerdo uma moça da tribo dos “desliza-dedos no celular” aqueles que
ficam o tempo inteiro com o indicador, subindo e descendo e indo lateralmente
com seu indicador no celular. Isso para mim não era problema, porque eles não
incomodam, a não ser por esse dia, pois ela exigia espaço para deslizar seus
dedos e abria a força, empurrando um para cá outro para lá com seus braços.
Pensei em ficar firme e não me mover em nenhum milímetro, mas depois ponderei,
era uma batalha que não tinha o menor sentido que acontecesse, virei então para
o lado esquerdo, e lá estava uma bela moça da tribo dos leitores, olhei para
ela, era bonita, morena, cabelos longos, em pé, pernas bem abertas para definir
seu território e com o livro de umas trezentas páginas aberto a sua frente. Tentei disfarçadamente ler o título,
mas foi impossível, o balanço do trem e o volume de pessoas não permitia,
tentei ler o conteúdo mas ela percebeu e fechou meu angulo de visão.
Concluí então que a tribo dos
leitores do metro, não gosta de nenhuma comunicação durante sua atividade, que
eles ocupam muito espaço e julgam-se em um nível superior de humanos. Estou
agora com a seguinte dúvida, participo ou não dessa tribo? Gosto de ler muito, mas não me vejo fazendo
os malabarismos que eles fazem para ler um livro em um transporte público, ler
andando, tropeçando nas pessoas, ou lutar heroicamente por um espaço no trem
apenas para abrir o livro não vale, em meu modo de pensar, a pena. Leitura para
mim está associada a prazer e não como um passatempo para chegar ao trabalho.
Talvez eu esteja equivocado e a
leitura seja um prazer para eles também, por conta do sacrifício, mas acho que
vou ler sim, sempre de maneira confortável e sem parecer um alien em missão na
terra.
Concluindo, a tribo dos leitores não
me terá, seguirei como membro efetivo da tribo de fones de ouvido e como um
rebelde na tribo dos leitores, criando meu way-of-life na leitura do metro.
Eu não falei dos rostos angelicais,
em minhas quase três semanas de presença constante e diária nos metros, vi um
rosto de uma bela moça morena dia desses perfeitamente angelical, nada de
beleza ensaiada, nada de maquiagem, apenas uma beleza livre e solta, de lábios
grossos, cabelos pretos e face angelical, impressionante quando se é realmente
belo, não há nada que possa macular essa beleza, mas quando olhei para o rosto
dessa moça concluí que não era só o rosto, o rosto era iluminado por algo que
vinha de dentro, atravessava o seu olhar e ganhava o mundo, algo que impregnava
todo o seu rosto, talvez por isso essa beleza tão deslumbrante. Ontem, também a
mesma coisa, uma bela moça sentada com seu namorado, tinha outro rosto
angelical, dessa vez uma moça loira, cabelos presos em rabo de cavalo, na
verdade seu cabelo não era loiro, mas tinha uma cor cobre, parecia uma cor natural,
mas seu rosto, parecia porcelana, parecia talhado a mão de tão perfeito que era
e lá estava o olhar iluminado, ganhando o espaço e trazendo algo de bom, algo
de paz de seu interior.
O metro tem disso também, rostos
bonitos encantando nossos dias e a tribo dos leitores que por sua empáfia
infelizmente não me terá, pelo menos por enquanto...
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