sábado, 14 de dezembro de 2013

Crônicas do Metro – Parte 2 – A tribo dos leitores



Crônicas do Metro – Parte 2 – A tribo dos leitores
           
            Não me incomodo, até admiro a atitude mas estou começando a ter problema com a tribo dos leitores, o duro é que não há um líder oficial ou a liderança é pulverizada. O problema com a tribo dos leitores é que eles ficam totalmente alheios ao que acontece ao redor e também a empáfia em sua pose incomoda um pouquinho.
            Adoro leitura e tentei de alguma forma participar dessa tribo, peguei o livro “novo” do Dostoievsky que estava na fila para futura leitura, depois de outros dois livros também de Dostoievsky e um outro de Julian Barnes, joguei na mochila e disse para mim mesmo – Hoje inicio minhas atividades na tribo dos leitores, no primeiro metro não saquei meu livro, guardei suspense, ia simplesmente ouvindo as oldies do Alan Parsons em um pequeno aquecimento com meu fone de ouvido para partir para  o meu ataque. No segundo trem (Luz – Pinheiros) saquei meu Dostoievsky e comecei a acompanhar a trajetória dos personagens, no tom tragicômico do livro. Na estação Pinheiros, sai andando com meus livros nas mãos, senti que carregar o livro nas mãos tirou um pouco o ritmo das passadas e eu não queria declaradamente assumir que estava entrando na tribo dos leitores.
            Saquei dessa vez a mochila, naquela técnica especial e que particularmente acho super charmosa que desenvolvi de apenas esticar os braços para baixo e agarrar as alças da mochila já chegando ao chão, fico meio exibicionista quando faço isso, porque acho essa minha técnica de um nível apuradíssimo, jamais cometi uma falha na performance.
            No último trem, desisti de ler meu Dostoievsky, estava lotado, só cabia novamente um pé no chão, a perna direita seguia encolhida prensada entre vários corpos que me rodeavam. Já havia parabenizado a todos os passageiros mentalmente pelo zelo com odores, perfumes e afins. Nada de excessivo, nenhum perfume barato ou mesmo os caros no ar, ar-condicionado do trem ligado, todos socados, quando percebi do meu lado esquerdo um senhor de uns quarenta anos, loiro, magro com o braço esticado ao máximo para o alto, segurando em algum lugar. O cheiro de suor forte bateu nesse momento, o jeito foi desviar o rosto, infelizmente não funcionou, então, com toda a minha destreza, percebi uma rota de fuga e para lá dirigi primeiramente o meu nariz, para salvá-lo da situação.
Percebi então, também do meu lado esquerdo uma moça da tribo  dos “desliza-dedos no celular” aqueles que ficam o tempo inteiro com o indicador, subindo e descendo e indo lateralmente com seu indicador no celular. Isso para mim não era problema, porque eles não incomodam, a não ser por esse dia, pois ela exigia espaço para deslizar seus dedos e abria a força, empurrando um para cá outro para lá com seus braços. Pensei em ficar firme e não me mover em nenhum milímetro, mas depois ponderei, era uma batalha que não tinha o menor sentido que acontecesse, virei então para o lado esquerdo, e lá estava uma bela moça da tribo dos leitores, olhei para ela, era bonita, morena, cabelos longos, em pé, pernas bem abertas para definir seu território e com o livro de umas trezentas páginas aberto a sua  frente. Tentei disfarçadamente ler o título, mas foi impossível, o balanço do trem e o volume de pessoas não permitia, tentei ler o conteúdo mas ela percebeu e fechou meu angulo de visão.
            Concluí então que a tribo dos leitores do metro, não gosta de nenhuma comunicação durante sua atividade, que eles ocupam muito espaço e julgam-se em um nível superior de humanos. Estou agora com a seguinte dúvida, participo ou não dessa tribo?  Gosto de ler muito, mas não me vejo fazendo os malabarismos que eles fazem para ler um livro em um transporte público, ler andando, tropeçando nas pessoas, ou lutar heroicamente por um espaço no trem apenas para abrir o livro não vale, em meu modo de pensar, a pena. Leitura para mim está associada a prazer e não como um passatempo para chegar ao trabalho.
            Talvez eu esteja equivocado e a leitura seja um prazer para eles também, por conta do sacrifício, mas acho que vou ler sim, sempre de maneira confortável e sem parecer um alien em missão na terra.
            Concluindo, a tribo dos leitores não me terá, seguirei como membro efetivo da tribo de fones de ouvido e como um rebelde na tribo dos leitores, criando meu way-of-life na leitura do metro.
            Eu não falei dos rostos angelicais, em minhas quase três semanas de presença constante e diária nos metros, vi um rosto de uma bela moça morena dia desses perfeitamente angelical, nada de beleza ensaiada, nada de maquiagem, apenas uma beleza livre e solta, de lábios grossos, cabelos pretos e face angelical, impressionante quando se é realmente belo, não há nada que possa macular essa beleza, mas quando olhei para o rosto dessa moça concluí que não era só o rosto, o rosto era iluminado por algo que vinha de dentro, atravessava o seu olhar e ganhava o mundo, algo que impregnava todo o seu rosto, talvez por isso essa beleza tão deslumbrante. Ontem, também a mesma coisa, uma bela moça sentada com seu namorado, tinha outro rosto angelical, dessa vez uma moça loira, cabelos presos em rabo de cavalo, na verdade seu cabelo não era loiro, mas tinha uma cor cobre, parecia uma cor natural, mas seu rosto, parecia porcelana, parecia talhado a mão de tão perfeito que era e lá estava o olhar iluminado, ganhando o espaço e trazendo algo de bom, algo de paz de seu interior.
            O metro tem disso também, rostos bonitos encantando nossos dias e a tribo dos leitores que por sua empáfia infelizmente não me terá, pelo menos por enquanto...

            

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