Crônicas
do metro – parte 1
O metro de São Paulo é para poucos,
para apenas 3,5 milhões de pessoas. É impressionante como as pessoas tem essa
capacidade de adaptar-se frente ao novo, ao inusitado, é impressionante… então, o “habitante” do metro desenvolve um senso de relacionamento, de gentileza e
convivência impressionantes, ali ele vai trombar literalmente com todo o tipo
de pessoa, vai ser amassado, socado, vai conviver com diversos cheiros
misturados ao cheiro de fundo do rio Pinheiros que em dias de calor leva a
tortura ao nível máximo, enfim, vai sofrer uma provação diária que apenas esses
bravos 3,5 milhões de paulistanos tem a capacidade de suportar.
O metro para os “não apressados”
como eu tem diversas tribos, sim, diversas tribos convivem pacificamente ali, a
mais impressionante é a tribo dos leitores, que como malabaristas do Cirque de
Soleil, consegue ler um livro nas mais extremadas situações. Olho para eles e
os julgo heróis, afinal ler um livro prensado por pessoas de todos os lados em
um trem, ler um livro andando lentamente junto a um bolo de pessoas sem se dar
ao trabalho de levantar a cabeça, ler em pé, sentado ou com o braço esticado em
direção ao teto com o livro na ponta dos dedos, como se fosse o último ato
desesperado de um potencial afogado, não é para qualquer um.
Pois
é, eles leem, leem andando, enfrentando a “marcha dos pinguins (como diria a irmã
de uma amiga) na entrada do metro, andando nas escadas rolantes, descendo e
prensados de todas as formas, essa tribo merece uma premiação com louvor. Da
mesma maneira que louvo sua atitude, quando leio os títulos dos livros
desanimo, enfim, seria melhor não ler, mas na verdade estão lendo ou sacrificando-se para ler e no final é isso o
que importa.
Falando em escadas rolantes, certa
vez aconteceu algo engraçado, subi na escada rolante, em seu lado esquerdo e
fiquei ali parado, quando uma vozinha fina, demonstrando certa fragilidade
falou alto atrás de mim – Moço a esquerda é livre – Pulei para o lado direito
no mesmo momento e respondi para a moça – Desculpe, eu não sabia.
Não
sabia mesmo e depois fiquei bravo comigo mesmo de não ter respondido algo mais
áspero para a moça, falei para meus filhos – Que besteira, esquerda livre...
Na verdade não entrou e não entra em minha cabeça o fato de existir uma escada
que te leva a algum lugar e você ter que andar, caminhar nela. Porque será? Não tem lógica. Não está escrito
em nenhum lugar. Bom! Mas tudo o que refere-se a humanos realmente não tem
lógica. Pensei com meus botões – Essa moça está louca, isso não existe, imagina
ter que deixar o lado esquerdo de uma escada rolante livre… —No outro dia
caminhando pelo metro novamente, lá em uma plaquinha estava escrito “Por favor,
deixar o lado esquerdo das escadas rolantes, livres.” Enfim, conformei-me.
Sou um orgulhoso representante da tribo
dos “fones de ouvido”, quando entro no ônibus (um aquecimento para o metro), já
saco o meu fone de ouvido auricular, separo a minha trilha preferida e já vou
ouvindo minha trilha sonora, combinando com tudo o que vai acontecendo ao meu
redor. Essa é a tribo mais numerosa. Uma as melhores coisas de pertencer a essa tribo, além de ouvir
nossa musica preferida é isolarmo-nos do barulho do ambiente, principalmente
quando juntam-se duas ou três pessoas, para falar mal de algum colega de
trabalho. Isso é uma realidade, entram duas ou três pessoas e o assunto já
começa, é interessante observar a língua ferina das pessoas.
A tribo mais charmosa do metro é a
tribo das sandálias havaianas, e´ a tribo das belas ladies que vão desembarcar
na Paulista, nos Jardins, na Vila Olímpia...e vão sempre bem vestidas, ou
simplesmente despojadas, na linha cool mas vão com seus belos pés sempre
mergulhados em uma havaiana, isso despertou minha atenção de imediato – Porque
belas mulheres, bem trajadas, vão de havaiana para o trabalho? – Simplesmente
para preservar seus pés.
Já vi
uma dessas ladies calçando seu sapato de salto alto na estação para chegar ao
trabalho, retirando a bela havaiana e lascando o salto alto.
Os pés são sempre bonitos, aliás pés
e mãos femininos, hão de convir que são verdadeiras obras de arte, peças tiradas
do período clássico, dignos de um Boticceli, ou de algum pintor holandes. Na verdade não sei se todos os homens, mas pelos menos os
que eu conheço tem esse fetiche com pés e mãos, eu como um discreto e humilde
voyeur, vou ali a distancia observando os belos pés, há os pequenos de dedos
simétricos, os de dedos um pouco separados, os grandes e longilíneos, os de
dedos gordinhos, os de dedos magros, os dedos tortos, todos extremamente
bonitos e delicados. Enfim, cheguei a conclusão que quem tem pé feio, jamais
vai para o trabalho de havaiana.
Na Estação Luz tem o piano, onde os
que conhecem alguma coisa arriscam-se em algumas notas, já pensei algumas vezes
em fazer uma pose fake e solene e fingir algumas notas, adoraria fazer esse
papel, adoro criar alguns personagens eventualmente, pensando bem acho que seria um excelente ator...
Essa semana, tinha o moço totalmente
tatuado, o rosto coberto por tatuagem, moço de boa aparência, cabelos loiros
moicanos, olhos verdes, ele praticamente parou o metro, atraindo todos os
olhares, pensei comigo que a tatuagem talvez seja a busca de uma estética
própria, uma busca da despadronização, eu acho bonito, eu tenho, mas tatuar o
rosto? O que será que vai na cabeça de uma pessoa que tatua o próprio rosto.
Andar no metro há que se ter algum
cuidado, tem que se ir no ritmo da boiada, nem mais, nem menos, se você vai
rápido tropeça em quem está na frente, se vai devagar é atropelado. Há algumas técnicas que estou desenvolvendo,
há estações que se caminha pelas beiradas, como mingau, aí não somos
atropelados, mas há estações em que caminha-se pelo meio, porque o fluxo
desesperado vem pelas beiradas.
Para quem vai do Tucuruvi a Vila Olímpia
como eu, é necessário preparo físico, porque o sobe e desce de escadas
rolantes, as placas desencontradas apontando para cá e para lá, desesperam
qualquer um que não conheça como funciona a geringonça, as vezes me perco,
entro errado, me distraio passo de estação, as vezes vou prensado e apenas com
um pé ao chão, mas como o coelho da Alice, lá todo mundo vai desesperado, não
faça muita hora na frente de ninguém, seja rápido, não pare para perguntar
nada, porque lá a cenoura vai na frente
puxando desesperadamente todo mundo.
O smartphone é peça fundamental na
vida de todo mundo no metro, há os que como eu vão ouvindo suas músicas e
balançando discretamente suas cabeças, há os que ficam deslizando seus dedos
incessantemente, há os que atualizam suas redes sociais, há os que jogam...
Sou
da época da linha norte-sul, apenas isso, linha norte-sul, hoje chega-se a
vários lugares e nas mais diversas cores de linhas, eu jamais vou relacionar
linhas com cores, então não me fale que a linha verde me leva para um lugar, a
azul para outro, etc... Esse é o dia-a-dia do metro, que entre uma marcha dos
pinguins de um lado e belos pés em sandálias havaianas do outro, mostra todos os dias o inusitado
salpicado em nosso cotidiano. Cotidiano de nós paulistanos.
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