quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Cronicas do metro - parte 1







Crônicas  do metro – parte 1

            O metro de São Paulo é para poucos, para apenas 3,5 milhões de pessoas. É impressionante como as pessoas tem essa capacidade de adaptar-se frente ao novo, ao inusitado, é impressionante… então, o “habitante” do metro desenvolve um senso de relacionamento, de gentileza e convivência impressionantes, ali ele vai trombar literalmente com todo o tipo de pessoa, vai ser amassado, socado, vai conviver com diversos cheiros misturados ao cheiro de fundo do rio Pinheiros que em dias de calor leva a tortura ao nível máximo, enfim, vai sofrer uma provação diária que apenas esses bravos 3,5 milhões de paulistanos tem a capacidade de suportar.
            O metro para os “não apressados” como eu tem diversas tribos, sim, diversas tribos convivem pacificamente ali, a mais impressionante é a tribo dos leitores, que como malabaristas do Cirque de Soleil, consegue ler um livro nas mais extremadas situações. Olho para eles e os julgo heróis, afinal ler um livro prensado por pessoas de todos os lados em um trem, ler um livro andando lentamente junto a um bolo de pessoas sem se dar ao trabalho de levantar a cabeça, ler em pé, sentado ou com o braço esticado em direção ao teto com o livro na ponta dos dedos, como se fosse o último ato desesperado de um potencial afogado, não é para qualquer um.
Pois é, eles leem, leem andando, enfrentando a “marcha dos pinguins (como diria a irmã de uma amiga) na entrada do metro, andando nas escadas rolantes, descendo e prensados de todas as formas, essa tribo merece uma premiação com louvor. Da mesma maneira que louvo sua atitude, quando leio os títulos dos livros desanimo, enfim, seria melhor não ler, mas na verdade estão lendo ou sacrificando-se para ler e no final é isso o que importa.
            Falando em escadas rolantes, certa vez aconteceu algo engraçado, subi na escada rolante, em seu lado esquerdo e fiquei ali parado, quando uma vozinha fina, demonstrando certa fragilidade falou alto atrás de mim – Moço a esquerda é livre – Pulei para o lado direito no mesmo momento e respondi para a moça – Desculpe, eu não sabia.
Não sabia mesmo e depois fiquei bravo comigo mesmo de não ter respondido algo mais áspero para a moça, falei para meus filhos – Que besteira, esquerda livre... Na verdade não entrou e não entra em minha cabeça o fato de existir uma escada que te leva a algum lugar e você ter que andar, caminhar nela.  Porque será? Não tem lógica. Não está escrito em nenhum lugar. Bom! Mas tudo o que refere-se a humanos realmente não tem lógica. Pensei com meus botões – Essa moça está louca, isso não existe, imagina ter que deixar o lado esquerdo de uma escada rolante livre… —No outro dia caminhando pelo metro novamente, lá em uma plaquinha estava escrito “Por favor, deixar o lado esquerdo das escadas rolantes, livres.” Enfim, conformei-me.
            Sou um orgulhoso representante da tribo dos “fones de ouvido”, quando entro no ônibus (um aquecimento para o metro), já saco o meu fone de ouvido auricular, separo a minha trilha preferida e já vou ouvindo minha trilha sonora, combinando com tudo o que vai acontecendo ao meu redor. Essa é a tribo mais numerosa. Uma as melhores coisas  de pertencer a essa tribo, além de ouvir nossa musica preferida é isolarmo-nos do barulho do ambiente, principalmente quando juntam-se duas ou três pessoas, para falar mal de algum colega de trabalho. Isso é uma realidade, entram duas ou três pessoas e o assunto já começa, é interessante observar a língua ferina das pessoas.
            A tribo mais charmosa do metro é a tribo das sandálias havaianas, e´ a tribo das belas ladies que vão desembarcar na Paulista, nos Jardins, na Vila Olímpia...e vão sempre bem vestidas, ou simplesmente despojadas, na linha cool mas vão com seus belos pés sempre mergulhados em uma havaiana, isso despertou minha atenção de imediato – Porque belas mulheres, bem trajadas, vão de havaiana para o trabalho? – Simplesmente para preservar seus pés.
Já vi uma dessas ladies calçando seu sapato de salto alto na estação para chegar ao trabalho, retirando a bela havaiana e lascando o salto alto. 
            Os pés são sempre bonitos, aliás pés e mãos femininos, hão de convir que são verdadeiras obras de arte, peças tiradas do período clássico, dignos de um Boticceli, ou de algum pintor holandes. Na verdade não sei se todos os homens, mas pelos menos os que eu conheço tem esse fetiche com pés e mãos, eu como um discreto e humilde voyeur, vou ali a distancia observando os belos pés, há os pequenos de dedos simétricos, os de dedos um pouco separados, os grandes e longilíneos, os de dedos gordinhos, os de dedos magros, os dedos tortos, todos extremamente bonitos e delicados. Enfim, cheguei a conclusão que quem tem pé feio, jamais vai para o trabalho de havaiana.
            Na Estação Luz tem o piano, onde os que conhecem alguma coisa arriscam-se em algumas notas, já pensei algumas vezes em fazer uma pose fake e solene e fingir algumas notas, adoraria fazer esse papel, adoro criar alguns personagens eventualmente, pensando bem acho que seria um excelente ator...
            Essa semana, tinha o moço totalmente tatuado, o rosto coberto por tatuagem, moço de boa aparência, cabelos loiros moicanos, olhos verdes, ele praticamente parou o metro, atraindo todos os olhares, pensei comigo que a tatuagem talvez seja a busca de uma estética própria, uma busca da despadronização, eu acho bonito, eu tenho, mas tatuar o rosto? O que será que vai na cabeça de uma pessoa que tatua o próprio rosto.
            Andar no metro há que se ter algum cuidado, tem que se ir no ritmo da boiada, nem mais, nem menos, se você vai rápido tropeça em quem está na frente, se vai devagar é atropelado.  Há algumas técnicas que estou desenvolvendo, há estações que se caminha pelas beiradas, como mingau, aí não somos atropelados, mas há estações em que caminha-se pelo meio, porque o fluxo desesperado vem pelas beiradas.
            Para quem vai do Tucuruvi a Vila Olímpia como eu, é necessário preparo físico, porque o sobe e desce de escadas rolantes, as placas desencontradas apontando para cá e para lá, desesperam qualquer um que não conheça como funciona a geringonça, as vezes me perco, entro errado, me distraio passo de estação, as vezes vou prensado e apenas com um pé ao chão, mas como o coelho da Alice, lá todo mundo vai desesperado, não faça muita hora na frente de ninguém, seja rápido, não pare para perguntar nada, porque lá  a cenoura vai na frente puxando desesperadamente todo mundo.
            O smartphone é peça fundamental na vida de todo mundo no metro, há os que como eu vão ouvindo suas músicas e balançando discretamente suas cabeças, há os que ficam deslizando seus dedos incessantemente, há os que atualizam suas redes sociais, há os que jogam...
            Sou da época da linha norte-sul, apenas isso, linha norte-sul, hoje chega-se a vários lugares e nas mais diversas cores de linhas, eu jamais vou relacionar linhas com cores, então não me fale que a linha verde me leva para um lugar, a azul para outro, etc... Esse é o dia-a-dia do metro, que entre uma marcha dos pinguins de um lado  e belos pés em sandálias havaianas do outro, mostra todos os dias o inusitado salpicado em nosso cotidiano. Cotidiano de nós paulistanos. 

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