quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Diário de viagem: Até mais Nina









              Quando era criança, julgava que a sabedoria, a maturidade eram trazidas pelo tempo a medida que envelhecíamos, era gradual, a medida que envelhecíamos nossa sabedoria aumentava.
Com o tempo percebi que a sabedoria é um conjunto de atitudes sábias que são tomadas todos os dias, é olhar o momento e decidir qual a melhor decisão para aquele momento que não pode ser a mesma decisão e atitude se esse mesmo momento repetir-se no futuro.
            Dentro desse meu raciocínio de criança, eu imaginava que com minha idade atual, seria um perfeito sábio com as decisões mais corretas e acertadas para todas as situações,  mas todos sabemos que não é assim, há pessoas perfeitamente sábias e equilibradas com vinte, trinta anos de idade e há pessoas totalmente imaturas com cinquenta, sessenta...ou seja a maturidade parte da decisão de amadurecer, de crescer com cada experiencia ou nao.
Em todo esse "balaio de gato" do crescimento humano, do crescimento individual de cada ser humano um dos pontos que podem contribuir são as perdas.
Certo dia eu perdi meu pai, como certo dia perdi minha irmã que se foi com uma explicação que não consegui entender até hoje, perdi as pessoas que amei e que acreditava que seriam minhas caras metades para o restante de minha vida, perdi amigos, perdi amores e me perdi nesse saldo negativo de perdas e ganhos.
            -- Pai, podemos adotar essa? Olha que bonita ela e’ um misto de preto e branco, toda malhada.
            -- Ela é medrosa, para lá de medrosa, quer adotar essa mesmo? – dei um sorriso, já prevendo o trabalho que me esperava.
            -- Vamos chamá-la de Nina ?
         -- Pode ser, fica sendo Nina então – Dei outro sorriso, ela teria um nome elegante para compensar a trabalheira danada que eu sei, iria dar.
            Os primeiros dias foram complicados, tentamos deixá-la para fora de casa mas ela gemia desesperadamente e após viradas e mais viradas na cama com o travesseiro tampando os ouvidos e após algumas referencias nada agradáveis a Nina, sua mãe e a todos os gatos do mundo, passamos a deixá-la ficar dentro de casa, com o tempo ela passou a miar menos, mas tinha seu temperamento peculiar, não gostava de agrados, queria suas refeições no horário e desfilava lentamente, senhora de toda a área interna de nossa casa.
            Criamos um vinculo especial e as vezes ela se aninhava aos meus pés a noite na hora de dormir. Com o tempo começou a dar seus passeios noturnos, temia por esses passeios, afinal Nina apesar de sua aparente segurança, era inocente, chegou bebe e o que conhecia do mundo estava dentro das paredes de casa. Reforçamos o portão, colocamos telas, para segurar Nina em casa, Nina adorou as telas, pois suas escapadas foram facilitadas, ela escalava o portão como se caminhasse tranquilamente pela rua.
            Passamos a adotar a tática de trancá-la sempre que escurecia, ela percebendo nossa estratégia passou a fazer seus passeios um pouco antes do anoitecer, mas eu sabia como lidar com ela, sacudir sua vasilha de ração como um chocalho era infalível para atraí-la, mas comecei a viajar muito e certa noite eu não estava em casa, foi então quando cheguei em casa de viagem no dia seguinte que tudo aconteceu.
            -- Cássio, faça um favor, na sua ronda de moto pelo condomínio, se avistar uma gatinha malhada, preto e branco, me avisa, é a minha gata, ai vou busca-la.
            -- Ok senhor, faço isso sim – ele  respondeu friamente,
Comecei a preparar o café da manha, fazia uma semana que estava distante de casa, era hora de curtir os filhos, era hora de cumprir a nossa rotininha dos finais de semana, que invariavelmente era o basquete, o teatro, o cinema ou o pulo em alguma livraria.
            O interfone tocou baixinho, mudei a altura dia desses – muito baixo, onde é o botão que aumenta? – assim que coloquei o fone no ouvido, percebi que algo estava errado.
            -- Senhor? Desculpe, tenho uma noticia triste, foi achada uma gatinha  malhada  do outro lado do condomínio, morta, atropelada.
O coração gelou, a sensação é essa mesmo de gelo, é como ter algo arrancado...
            -- Onde esta o gato? – Falei rápido, o desespero pedia urgência.
            -- Do outro lado do condomínio, em frente a casa do Valter, o senhor conhece?
            --Estou indo para lá –
            Era um saco preto de lixo, abri devagarzinho e comecei a chorar, perdi a compostura ali, tornei-me piegas e melodramático mas a tristeza quando se manifesta em sua forma mais cruel  e profunda faz a gente perder a eira e a beira, faz a gente pedir socorro meio que cegamente.
Saí carregando o saco com Nina dentro, fui rápido para casa, coloquei o saco no chão, no quintal de casa e sentei ao seu lado.
Abri o saco devagar, queria ver mas não queria ver, Nina estava com os olhos mansos, sua marca registada, as patas amassadas ensanguentadas.
Acariciei seu corpo e chorei baixinho, meus filhos dormiam, meu vizinho ofereceu ajuda.
            -- O que você pretende fazer com ela?_ Ele perguntou preocupado.
            -- Sérgio, não sei o que fazer, desculpe estou meio desorientado – é estranha essa sensação de não saber se o melhor é ir ou vir, essa sensação de não ter o chão para apoiar nem o céu para se olhar, é estranho...
            -- Levo ela para você, tem um lugar que eles enterram com cuidado animaizinhos domésticos – eu fiquei grato, era o melhor realmente a ser feito.
            Nina se foi e levou um pouquinho de mim com ela, eu acrescentei uma pequena dose do amargo da vida a minha vida.
            Pensei e tenho pensado muito a respeito, gatos são encantadores, simplesmente por que são  o que são, são independentes, caçadores, aventureiros e não preocupam-se em agradar, eles nos cativam com seu magnetismo e sua independência frente a tudo.
Mas em minhas reflexões pensei que nunca vi um gato que tenha envelhecido, nunca vi um gato morrer de velhice, eles simplesmente somem e são atropelados, são eletrocutados, são mortos nas armadilhas de sua inocência e de seu espírito caçador e aventureiro.
             Dizem que gatos tem sete vidas, acredito agora que não tenham nem meia vida, pois eles aparecem alegram nossas vidas, dividem seu equilíbrio e sua presença conosco e são levados rapidamente e sem aviso pela vida.
            Tenho olhado para Ozzy, meu outro gato, ele tem miado menos, esta meio perdido pois era companheiro  de Nina. Olho para ele e o acaricio, temos que aprender a viver com um pedaço de nos que já se foi.
            -- Mas senhor, não precisa chorar, é apenas um gato – disse o segurança do condomínio sem entender muito bem meu desequilíbrio.
            -- Desculpe Cássio, é verdade, é apenas um gato – Entrei meio cabisbaixo para dentro de casa, era hora de dar a noticia aos meus filhos e eu tinha que ser exemplo novamente, um perfeito exemplo de equilíbrio e sabedoria da vida...

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