Eu a peguei em sua casa – não
precisa “Bonito”, não tem necessidade, vou de táxi até o aeroporto – Mas eu
tinha que ficar com ela o máximo que me fosse permitido, eu tinha que abraçá-la,
tinha que sentir pela última vez seu cheiro eterno de patchuli, tinha que
cheirar seus cabelos, quem sabe dissuadí-la de sua partida. Paramos uma última
vez no Ibirapuera, o lugar que caminhamos tantas vezes, as vezes falastrões,
contanto nossas histórias e rindo, as vezes totalmente silenciosos, apenas
sentindo nossas próprias presenças.
-- Vamos na parte do lago que tem as
carpas? – Disse ela ansiosa com um ‘que” de nervosismo, quando ela ficava assim
eu percebia imediatamente, ela falava mais rápido, dava pequenas gaguejadas,
todos os seus gestos ficavam mais acelerados. – Vamos sim, vamos pegar pão ali
naquela lanchonete.
-- Ah Bonito, será que dá tempo, não
posso perder o voo.
Por
mim, ela perderia todos os voos do mundo, por mim tudo pararia e congelaria
naquele momento, naquele momento que eu sabia poderia ser nosso ultimo momento,
depois de tantas risadas, tantos abraços, tantos suores misturados em noites
desesperadas e nervosas, aquele poderia ser nosso último momento. – Lara, temos
cinco horas ainda, dá tranquilo, olha os garotos andando de skate.
-- Olha o pequenininho Bonito, como
aquele pequeno é gracioso, que malandrinho...—O pequeno garoto, um pequeno
garoto negro, brincava com seu skate e rodopiava ao redor dos pilares da
marquise do parque e as vezes girava ao redor dele mesmo, mostrando uma habilidade distinta para
um pequenino que deveria ter no máximo seus dez anos.
-- Fica aqui pertinho, encosta nessa
parte aqui da ponte – Estávamos no meio da pequena ponte que ligava uma parte
do parque a outra, aquela pontazinha onde eu já havia passado tantas vezes
correndo, fazendo meus treinos de corredor – Joga o pão Bonito, joga que quero
ver eles se amontoando todos esfomeados – começou a rir e mostrar seus dentes
quadrados, brancos e pequenos brilhando intensamente naquela tarde de janeiro.
-- Lara vou sentir sua falta.
-- Dá abraço Bonito, vou sentir a
sua também, mas quando você menos esperar estarei de volta, são só dois anos.
Do jeito que Lara falava “dois
anos”, a impressão que ficava era que eu fecharia os olhos para dormir e no
outro dia a teria de volta, comecei a fazer contas em minha cabeça: dois anos,
setecentos e trinta e poucos dias, dois natais, dois carnavais, dois
aniversários, isso é se ela voltasse, se não se apaixonasse por algum
francês, ou algum outro belo europeu,
algum de origem escandinava, louro e belo como ela.
--
Lara, escreva-me sempre, não deixe de dar notícias.
--
Olha Bonito, como eles se amontoam, estão comendo tudo, que desespero meu Deus
– ia jogando as migalhas de pão e ria,
ria mas não era seu riso normal, era algo triste, era um riso triste que
já prenunciava nossa despedida, o parque estava vazio nesse dia, poucas pessoas
passavam correndo, caminhando, pedalando, poucas pessoas. Abracei mais forte
Lara, beijei-a, ficamos ali alguns minutos abraçados, apenas sentia sua
respiração, sentia o tum tum tum de seu coração, sentia seu cheiro. Queria
chorar, mas não iria fazer isso em sua frente, ela poderia rir, ou chorar
desesperadamente como as poucas vezes em que a vi despejar suas lágrimas.
Beijei suas mãos pequenas, fiquei olhando para elas, puxei-as novamente e
acariciei meu rosto com elas.
Saímos caminhando vagarosamente, o
calor do verão começava a diminuir, o sol começava a baixar, era hora de irmos.
-- Vamos comer algo antes de seu
embarque.
-- Não estou com fome Bonito, senta
aqui. – Que vai e vem danado, se trabalhasse aqui enlouqueceria, pensei com
meus botões, sentei ao lado de Lara, seus cabelos estavam mais brilhantes do
que nunca, sua beleza estava deslumbrante como sempre, a cor de sua pele era
algo que me atraia profundamente, um branco, mas não era um branco opaco, era
um branco delicado, um branco que transpirava sua sensualidade.
-- Quantas malas Lara, você volta? –
Brinquei tentando tirar um pouco o peso
daquela despedida... -- ´E claro Bonito, são coisas de mulher, roupas,
maquiagem, meus livros, seus bilhetes, cartas, fotos da turma, lembra do
casamento do Renée?
Sim o casamento de Renée, tanto
tempo havia passado, aquela noite em que todos rimos, brincamos com o moço do
violino, soltamos fogos, gargalhamos, choramos e vimos Renée partir para uma
nova fase de sua vida.
-- Claro que lembro, mas precisava
levar tudo isso?
-- Ah Bonito, você me conhece, levo
um pedacinho de cada um de vocês comigo, vem ver os voos comigo, tem check-in
ainda.
Aviões chegavam, aviões partiam,
pessoas chegavam, pessoas partiam, uma criança chorava, um casal passava
esbravejando um com o outro, funcionários do aeroporto passavam com seus rostos
frios e impessoais, carrinhos de bagagem iam e vinham rápidos e apressados. Uma
excursão de adolescentes passava ao nosso lado falando bem alto.
Lara
silenciou, aqueles seus silêncios súbitos que aprendi a conhecer e entender,
aqueles silêncios repletos de pensamentos, de conjeturas, de dúvidas, de
questionamentos, eu também tinha os meus questionamentos, o maior de todos é se
teria um dia Lara de volta, se ela não voltasse o que eu faria de minha vida, o
que eu faria de meus sonhos e de todas as minhas noites.
-- Bonito... – ela começou a chorar
– perdoa minha partida? – seus olhos começaram a lacrimejar e ela começou a
soluçar baixinho – Lara, eu não perdoaria se você ficasse, você esta indo atrás
de seu sonho, eu estarei sempre por
aqui, tenho raízes nessa droga de lugar, não saio daqui tão fácil não, além do
mais quem vai te informar de tudo que acontece nessa São Paulo louca de pedra
hem? Isso, rí bobona, vamos caminhar um
pouco pelo aeroporto, falta uma hora para o embarque.
-- Bonito, lembra de nosso primeiro
beijo, nossa primeira noite? – Um filme passou rapidamente por minha cabeça,
nossa primeira noite não foi tresloucada, não foi desesperada, nossa primeira
noite, eu lembrava, havia sido delicada, silenciosa, fomos nos tocando
delicadamente, devagarinho, ficamos um bom tempo abraçados, cantei baixinho uma
canção que gostava, de uma cantora que eu também gostava “ I can. see clearly now,
the rain is gone”, lembro que nossa primeira noite foi uma noite de abraços
demorados e longos, foi essa noite silenciosa que realmente nos uniu.
-- Lembro Lara, lembro sim Lara
querida. – íamos olhando as vitrines, afinal o aeroporto de Cumbica era imenso,
sentia o suor de suas mãos em minhas mãos, via seu olhar e seu sorriso que
faziam de tudo para mostrar a Lara que eu conhecia e estava tão acostumado, mas
não conseguiam, eu percebia que não conseguiam e percebia também que isso
incomodava Lara.
-- Bonito, vou fazer um diário de
minha viagem, vou fotografar tudo, a universidade, a Torre Eiffel, a Champs Elysées, vou
conhecer Montmartre, tem alguns escritores enterrados lá não tem, acho que o
Baudelaire, Montesquieu, Voltaire...
-- Sim, só não esqueça de
voltar...—soltei meu sorriso amarelo e sem graça, não sabia o que dizer, afinal
o amor de minha vida iria embora e eu sinceramente não saberia o que fazer de
agora em diante, não sabia o que fazer com os meus planos e com meus sonhos.
-- Tenho que embarcar Bonito, me
espera porque eu volto.
-- Seja feliz Lara, faça seu curso,
passeie, visite o Louvre, sou louco para conhecer o Louvre, eu estarei sempre
por aqui, falei que tenho raízes aqui.
-- Bonito, olha aqueles pequenos
correndo...
-- Ah sim, que desesperados, dá um
abraço – A abracei e comecei a chorar baixinho, fiquei me martirizando por
fazer isso, eu queria demonstrar toda a força que sempre havia demonstrado em
todas as situações que passamos, mas fui fraco dessa vez, chorei baixinho e ela
começou a chorar também, ficamos abraçados, senti suas lágrimas umedecerem meu
pescoço, ela começou a fungar baixinho...
Ela começou a soltar-se devagarinho
de meu abraço, comecei a soltá-la também, ficaram as mãos entrelaçadas que a
muito custo se separaram, puxei-a novamente e dei um beijo terno em sua testa.
-- Au revoir meu amor, au revoir
Bonito – deu um pequeno e encolhido sorriso, virou suas costas e saiu puxando
seu carrinho, nao olhou para trás e eu achei melhor assim...
-- Tchau Lara, vou esperar o tempo
que for preciso, estou sempre por aqui.
Fiquei esperando seu avião decolar, em
seguida fui dirigindo e olhando para o céu,, ia dirigindo vagarosamente no
transito desordenado e lento da cidade, sentia uma pressão tremenda no peito,
repassei todos os momentos, todas as palavras, repassei todos os rostos e
olhares de Lara, repassei nossas conversas e todos os nossos silencios, começava a chover em São Paulo, eu já estava na Marginal Tiete – Deus,
acho que não vou chegar em casa hoje – pensei olhando para a chuva, o céu cinza e o transito prejudicado ainda mais pela chuva que se intensificava , parei no primeiro shopping que vi, estacionei. O
Shopping estava repleto, afinal iniciava-se o período de férias, entrei na primeira livraria que vi e lá estava ele, o
poeta preferido de Lara, peguei a coletânea de poemas de W.B.Yeats e fiquei ali
folheando, indo e vindo nas página, lendo seus versos assimétricos e vi os olhos ora azuis, ora verdes de Lara
me fitando e sorrindo ternamente através das letras, versos e rimas de Yeats.
Hora de ir embora, a chuva parecia
que estava passando....comecei a cantar
baixinho minha canção preferida na voz de Holly Cole “ I can see clearly now,
the rain is gone”. Dois aviões em pequenos intervalos de tempo cruzavam os céus seguindo o mesmo sentido, meus
olhos os seguiam na mesma velociade que seguiam meus pensamentos desencontrados, meu carro ia vagarosamente afinal eu estava em Sâo Paulo e teria muito que esperar, sonhar e lutar.
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